
No momento em que a preocupação com o uso excessivo de telas leva escolas de todo o país a banir celulares, as crianças brasileiras de 6 a 8 anos usando a internet dobraram entre 2015 e 2024, de 41% para 82% do total na faixa etária. Nas classes A e B, são 97%, segundo levantamento do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), produzido a partir das pesquisas TIC Kids Online Brasil e TIC Domicílios. Os números podem ser ainda maiores, uma vez que os adultos, responsáveis pelas informações, tendem a subestimar o uso da internet pelos menores. No grupo até 2 anos, ele aumentou de 9% para 44%. Entre 3 e 5 anos, de 26% para 71%. A pesquisa mostra ainda que os pequenos ganham celulares cada vez mais cedo. As crianças de 6 a 8 anos que já têm seus próprios aparelhos passaram de 18% para 36%.
O uso de telas por crianças e adolescentes está no centro de um debate nacional que envolve educadores, pais de alunos e organizações da sociedade civil. Em janeiro, foi sancionada uma lei proibindo celulares não só em salas de aula, mas também nos intervalos em escolas públicas e privadas. A iniciativa federal surgiu na esteira de legislações municipais e estaduais restringindo o aparelho nas escolas. A tramitação do projeto no Congresso obteve raro consenso entre as diversas forças políticas. Em 2023, um relatório da Unesco já alertara sobre distração e prejuízos ao aprendizado pelo uso de celulares.
Se, nas escolas, a questão parece pacificada, no ambiente doméstico a regulação fica por conta dos pais ou responsáveis. Pesquisas mostram que o uso da internet por menores costuma estar ligado a trabalhos escolares. Mas as mesmas telas que ampliam as fronteiras do conhecimento embutem riscos, como disseminação de desinformação, preconceito, ódio, pornografia, contatos com desconhecidos mal- intencionados e outras mazelas.
O excesso de uso de eletrônicos pode ter efeitos nocivos. Crianças de 1 ano que passam de uma a quatro horas por dia na frente das telas têm maior risco de sofrer atraso no desenvolvimento de comunicação, resolução de problemas, capacidade motora e habilidades pessoais e sociais. A entrada de menores no mundo digital deveria, pela recomendação dos pesquisadores, ser adiada ao máximo. Redes sociais deveriam ser liberadas apenas a partir dos 16 anos, como as próprias plataformas sugerem.
Num mundo em que a tecnologia impõe mudanças na educação e no mercado de trabalho, o contato com celulares pode contribuir para melhorar a formação, desde que com critério, bom senso e seguindo as orientações científicas. A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que menores de 2 anos fiquem longe das telas. Nas faixas de 2 a 5 anos e de 6 a 10, o máximo recomendado é uma e duas horas, respectivamente. Fora da escola, cabe aos pais supervisionar as crianças, levando em conta que os filhos também precisam ter interação social. Existe vida fora das telas.