O extermínio de 6 bilhões de abelhas pelas cheias de maio arrasou a produção de mel no Estado e colocou interrogações sobre os resultados das futuras safras grãos, frutas, hortaliças, legumes e oleaginosas devido ao impacto na polinização.
“Vamos ter o estouro da boiada quando sentirmos falta dos polinizadores na produção agropecuária do nosso Estado”, alerta o presidente da Câmara Setorial da Apicultura da Secretaria da Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação (Seapi), Patric Luderitz, que é vice-presidente da Federação Apícola do Rio Grande do Sul (Fargs).
Estudos mostram que as abelhas são as responsáveis pela polinização de 73% do total e de 42% das 57 espécies vegetais cultivadas e utilizadas de forma direta ou indireta na alimentação humana.
Conforme a Embrapa, a polinização incrementa a produção de soja em 13%. Na canola, o aumento é de 25% a 35%.
Nos pomares, a falta de polinizadores acaba reduzindo a quantidade de frutos e sementes em tamanho, peso e quantidade. As macieiras, por exemplo, não produzem se não houver polinizadores.
“É muito triste a gente ver que, se não tiver auxilio governamental, vamos estar com problemas muito grandes no Rio Grande do Sul nas próximas safras, para o agro, para a apicultura e para a meliponicultura, com redução grande da produção de mel e subprodutos”, adverte o vice-presidente da Fargs.
Plano emergencial aguarda subsídio
A Fargs estima que foram aniquiladas entre 60 a 100 mil colmeias, cada uma com vezes 60 mil insetos, levando a estatística da tragédia a até 6 bilhões de abelhas mortas.
Frente a isso, a entidade propõe um plano de ação emergencial de reconstrução do segmento, com custo ao redor de R$ 5 milhões. A Câmara Setorial já pediu verbas ao governo do Estado, que informou não ter previsão orçamentária para a finalidade, e ao Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa).
“Se não fizermos isso este ano, o impacto vai ser extremamente negativo na produção agrícola no Estado”, alerta o dirigente.
A apicultura e a meliponicultura (criação de abelhas sem ferrão) já vinham de safra de verão fraca, resultado do excesso de chuva vivenciado desde a primavera passada. Com estoques baixos, os apicultores apostavam em boa colheita melífera em abril e maio.
“Era nossa esperança de colheita na safrinha, mas acabamos perdendo muito mais do que poderíamos imaginar”, lembra Luderitz.
As enchentes também precederam o inverno, que tem se mostrado rigoroso, com baixas temperaturas e com dias nublados e úmidos.
“É muito ruim para as abelhas. Tivemos frio e falta de floração, pois as chuvaradas e destruições afetaram drasticamente a questão da alimentação em flores, árvores e matas ciliares”, relata.
Recomposição dos enxames
O primeiro passo da Fargs após a catástrofe climática foi quantificar os estragos, com apoio da Emater/RS-Ascar. Oficialmente, foram contabilizados mais de 35 mil enxames perdidos.
“Mas a gente, pelo mapa de calor e por onde esses apiários estavam, crê que esse número seja muito maior, porque temos milhares de produtores sem cadastro do rebanho juntos aos órgãos oficiais que perderam também”, diz Luderitz.
Na sequência, a entidade passou para a tarefa de manter vivas as colmeias remanescentes. A Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA) doou 47 toneladas de açúcar VHP (açúcar bruto, menos úmido e ainda com a camada de mel que cobre o cristal do açúcar, distribuídas para apicultores e meliponicultores.
A Fargs espera ainda a doação de farinha de soja, que é a parte proteica da alimentação, complementar ao açúcar, que é energético.
“Estamos trabalhando para passar o inverno com as abelhas vivas, não deixar elas sucumbirem”, explica Luderitz.
O terceiro passo da entidade foi montar um plano estratégico de recuperação da apicultura e da meliponicultura gaúchas, com três pontos principais. O primeiro envolve a construção de caixas para as abelhas, no Parque Apícola Emílio Schenk, em Taquari. A área de 400 hectares abriga o Centro Estadual de Diagnóstico e Pesquisa em Apicultura (Ceapis), e a Fargs assinou em 2023 acordo de cooperação com a Seapi para uso compartilhado do local.
“A ideia é fazer uma grande fábrica, para produzir de 100 a 150 caixas por dia para que sejam doadas aos produtores que perderam tudo”, descreve o vice-presidente da Fargs.
Além das caixas, a entidade quer produzir cera alveolada, material produzido pelas abelhas para armazenar pólen, néctar, geleia real e mel.
A última etapa do plano, a ser desenvolvido em agosto, setembro e outubro, é a produção de princesas e rainhas para distribuir aos produtores e fazer o melhoramento genético dos enxames.
“Precisaremos manter essa estrutura funcionando por três a quatro anos, no mínimo, para que possamos levantar o setor. Nunca nos aconteceu nada parecido e, se não fizermos isso este ano, o impacto vai ser extremamente negativo na produção agrícola no Estado do Rio Grande do Sul”, argumenta Luderitz.
A Fargs acredita que o caminho futuro do setor envolve a remuneração pelo trabalho de polinização com as abelhas, como já é feito em países como o Chile, onde pessoas são remuneradas por levar as abelhas para polinização de lavouras.
A Fargs espera uma resposta do governo federal e argumenta que os mais atingidos são pequenos e médios produtores, que mantinham de uma a três caixas de abelhas para subsistência e venda de mel.
Fonte: Correio do Povo